Porque temos pensado tanto em suicídio? parte II

Publicado em 25 de abril de 2018.

Há mais ou menos um ano eu já havia publicado aqui uma outra matéria sobre a famosa série do Netflix: 13 Reasons Why, fazendo conexões entre a série e os motivos que levam os adolescentes e os jovens a cometer suicídio.  

Agora o assunto volta ao centro da discussão, depois de dois suicídios ocorridos em duas semanas no Colégio Bandeirantes em SP, um dos mais tradicionais da cidade, conhecido por ser exigente em relação ao desempenho de seus alunos.

Inicialmente vale lembrar que cada pessoa é única, e que portanto os indivíduos que pensam em suicídio, ou até mesmo chegam a fazer tentativas, o fazem por motivos distintos, em diferentes épocas de suas vidas. Apenas para se fazer um contraponto, um idoso com uma doença terminal pode querer e em alguns países até optar por um suicídio assistido, chamado de eutanásia e isso é perfeitamente compreensível e aceito. O que nos chama a atenção, seja como pais, como educadores e como sociedade, é um aumento significativo dos casos de suicídios entre crianças e adolescentes, o que não seria absolutamente esperado. 

Mas este aumento nos casos de suicídio não é exclusivo do Brasil. 

Taxas de suicídio de homens por idade nos EUA, entre 1999 e 2014

Nos EUA, a taxa de suicídios de crianças é a menor dentre todas as faixas etárias. Por outro lado a taxa de suicídios entre aqueles que têm mais de 75 anos é a maior de todas, embora tenha sido a única que sofreu diminuição ao longo da última década naquele país. Entre 10 e 14 anos a taxa de suicídios aumentou 37% por lá e entre 15 e 24 anos, 8,3%. Mas o maior aumento no número de suicídios se deu entre as idades de 45 a 64 anos, um crescimento alarmante de 43%.

Para se ter ideia da dimensão do problema no Brasil, de acordo com matéria publicada hoje na Folha de São Paulo, o número de suicídios, no período de 2000 a 2015, aumentou:
– 65% em crianças com idade entre 10 a 14 anos (quase o dobro do aumento americano), e
– 45% em adolescentes entre 15 a 19 anos (aumento 5x maior do que nos EUA). 

Isso significa que além de estarmos observando um aumento absoluto na população Brasileira da ordem de 40%, estamos também observando um aumento relativo ainda maior entre crianças e adolescentes. E isso é um grande golpe em nossas expectativas como educadores e como sociedade, em geral. A adolescência é, per se, uma época da vida extremamente turbulenta, exatamente porque os jovens estão ainda construindo seus valores, seus desejos, sua sexualidade, bem como sua própria identidade e talvez por isso mesmo seja também uma época onde possam estar mais vulneráveis.

Algumas reflexões se fazem presentes sobre o porquê do aumento significativo, especialmente nessa faixa etária no Brasil: 

Talvez os pais não estejam sabendo identificar sinais de que seus filhos têm andando mais tristes, isolados ou até mesmo deprimidos. Parece também o distanciamento e uma certa frieza nos relacionamentos familiares seja parte integrante da cena moderna. Só que esse distanciamento, gera nos adolescentes, uma sensação ainda maior de isolamento, que é um dos fatores que faz aumentar a probabilidade de um desfecho trágico.  

O fato de os adolescentes que se suicidaram pertencerem à classe média-alta também nos choca porque imaginariamente, pensamos que uma criança ou adolescente que mora na favela, com pouco para comer, estudo deficiente e ínfimas opções de lazer e de futuro, esteja mais predisposto ao suicídio do que crianças bem nascidas e bem criadas.

Há uma tristeza no ar, uma insatisfação perene, que aliada a outros fatores grupais, de pressão escolar e de isolamento, afeta a todos sem distinção.

Muitas vezes não é fácil prever o suicídio e até mesmo especialistas no assunto podem se enganar quando se trata de dar a certeza se um paciente poderia efetivamente tentar cometer suicídio ou não. A imprevisibilidade nos choca. É ainda mais assustador quando esses adolescentes optam por não comentar previamente com seus pais, amigos e cuidadores, alertando-os que têm tido essas  ideias. Ou seja, quando não houve uma comunicação ou tentativa anterior, ficamos de mãos atadas em relação à exposição ao risco. 

Em última análise, o aumento significativo do suicídio de crianças (+65%) e adolescentes (+45%) vem mostrar que estamos falhando em nossos instrumentos para perceber a quantas anda a saúde mental de nossos filhos. Especialmente isso nos faz pensar porque será que as crianças estão se suicidando tanto, sabendo que há uma vida toda de oportunidades pela frente (fato que são incapazes de apreender)…

Algumas hipóteses vêm a nos socorrer ante a esse cenário de imprevisibilidade e fracasso.

Claramente parece que estamos educando crianças incapazes de tolerar a frustração, um item fundamental para a passagem à fase adulta saudável. Além disso, parece que as crianças alimentam expectativas irreais em relação ao nível de satisfação imediato e constante buscado nas várias esferas de relacionamento, algo praticamente impossível de acontecer no mundo real.

Há, também, indícios que com o aumento exponencial do uso de tecnologia desde tenra idade, os pequenos ampliaram muito o círculo de influência ao qual estão expostos desde cedo, que agora não se limita a alguns amigos da escola, do clube ou outras fontes de amigos “reais”. Atualmente é comum que um adolescente possa ter facilmente mais do que 500 “amigos virtuais” no Instagram, por exemplo. Os novos aplicativos de música, de relacionamento ou de conversas no celular pressupõem essa interação e essa constante comparação, permitindo também que se faça um auto-ranking a partir do número de likes e de views recebidos nas postagens. Isso pode virar um termômetro de admiração ou de rejeição para o adolescente. Em outras palavras, isso mostra claramente a ele o quanto é querido ou ignorado pelo grupo, acabando por servir, em consequência, como uma armadilha para crianças que tenham um Ego mais frágil.

Estatisticamente, segundo uma matéria do site healthline.com,  “argumentos e brigas familiares e/ou com amigos estavam entre as causas mais comuns como promotoras de suicídios entre jovens adolescentes (até 12 anos), enquanto brigas com namorados (as) eram mais comumente associadas a suicídios em adolescentes mais velhos.”  

Mesmo pais de crianças que não estejam deprimidas ou com problemas relatam ter uma certa dificuldade de conexão com seus filhos. Talvez porque num mundo que se tornou digital, no qual os perigos moram dentro da tela do celular, as crianças tendem, cada vez mais, a se isolarem dos pais, dando um peso cada vez maior aos círculos de amigos virtuais. O grupo real ou virtual ganha ainda mais força e os pais parecem perder as rédeas da situação. A própria forma diferente de se relacionarem com a tecnologia promove esse afastamento entre as gerações. Independente da própria rebeldia, inerente à adolescência, parece que essas crianças sentem-se parte de um mundo próprio, no qual há pouco espaço para os adultos.   

Nesse cenário temeroso, a boa notícia é que as conversas ao pé da mesa, na hora do jantar ou em qualquer momento que permita a intimidade entre pais e filhos ainda são a melhor forma de contato, e, consequentemente, também de diagnóstico. Saber refinar a percepção e notar como anda o humor dos pequenos ainda é o melhor recurso ao qual se pode recorrer, bem antes que qualquer manifestação mais grave ou explícita de problemas sérios. Saber discernir sobre a disposição e a vivacidade dos filhos também é importante para detectar os primeiros sinais de que algo não vai bem. E perguntar, não ofende. Converse com seus filhos, pergunte como ele se sente, preocupe-se. O contato afetivo mais frequente pode evitar o aprofundamento de uma crise e a cronificação de um desequiíbrio que poderia ser apenas passageiro.  

E quando a possibilidade de diálogo falhar ou já não mais parecer existir, procure ajuda especializada. Não é fácil conversar sobre assuntos muito pessoais, e normalmente pais e filhos podem acabar se esquivando em vez de abordar diretamente o assunto. Por isso um ambiente acolhedor, aliado a um bom processo terapêutico formam uma excelente dupla para proporcionar o espaço e o conforto necessários para trazer à tona assuntos delicados, numa fase da vida em que a maior parte das certezas são ainda dúvidas. Aliás, a terapia e o suporte familiar continuam sendo os pilares para o auto-conhecimento, capaz de dirimir o sofrimento mental e a angústia, seja de crianças, adolescentes ou adultos.

Ilan Segre é Psicólogo Clínico formado pela USP, pós graduado em Fitoterapia pela Fac. Mario Schenberg. Complementou sua formação como psicólogo residente no Gupta Yogic Hospital (Lonavala), Jipmer Hospital (Pondicherry) e no Nisargopchar Ashram (Pune), na Índia. Foi um dos fundadores do NUMIER – Núcleo de Medicina Integrativa do Hospital Emilio Ribas e, em 2012, publicou o livro Terapia Integrativa (ed. Ágora).  Atualmente atende em seu consultório, unindo Psicoterapia Clínica com técnicas integrativas para remissão dos sintomas.

 


Comentários

Tania Cristina

Em 09 de maio de 2018 às 17:01

Ilan, ótimo artigo, muito bem escrito e explicado!Eu acrescentaria ainda a esse abismo atual entre pais e filhos o aumento da terceirização da educação (babás, motoristas e afins)e o aumento dos divórcios o que muitas vezes dificulta ainda mais o cuidado com o vínculo diário.Um beijo!


Ilan

Em 09 de maio de 2018 às 20:49

De fato, Tania, o aumento da “terceirização” e divórcios podem contribuir para aumentar a distância entre pais e filhos. Mas acredito que se o tempo juntos fosse bem utilizado, certamente o vínculo poderia ser igualmente bom. Bjs e obg pela contribuição.


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