O que o assédio do ator José Mayer nos ensina

Publicado em 05 de abril de 2017.

Ontem o ator José Mayer admitiu publicamente o assédio à figurinista Susllem Tonani. Não apenas admitiu o fato, mas buscou publicamente se desculpar pelo ocorrido, em forma de uma carta aberta ao público, considerando em suas palavras que “Mesmo não tendo tido a intenção de ofender, agredir ou desrespeitar, admito que minhas brincadeiras de cunho machista ultrapassaram os limites do respeito com que devo tratar minhas colegas.” Ora o que será que o ator entende exatamente como desrespeitar, enfiar a mão na genitália alheia sem consentimento, seria isso?

Vamos às considerações: na sexta-feira o ator havia negado veementemente o ocorrido, inclusive sugerindo que a figurinista estaria delirando ou seja, seria louca, confundindo a personagem Tião Bezerra com o ator na vida rela. Mas dias depois, o próprio volta atrás e pede desculpas.

Afinal porque será então que depois ele assumiu o assédio e buscou se desculpar? Porque provavelmente, como diz a denunciante, os assédios eram tão óbvios e repetidos que havia muitas testemunhas que pudessem reiterar o fato e desmascará-lo.  No próprio dia em que ele colocou a mão em sua genitália, havia duas outras mulheres presentes, mas que segundo Susslem acharam graça do caso…No limite, a rede Globo também apoiou a vítima, uma vez que comprovado o fato, isso poderia se reverter em problemas de audiência ou até mesmo remotamente na perda de patrocinadores e de receita.

Então para o ator e para a emissora foi melhor que ele assumisse a culpa por ter sido criado numa cultura machista, da qual “eu” me isento da responsabilidade sobre os atos. Algo como “fui vítima da criação que tive”. Ora que o Brasil é um país preconceituoso, misógino / machista não há dúvida. Mas a estratégia de culpar o ambiente, o exterior, os pais ou o “outro” por nossas ações é bastante primitiva e falida.

Dá para imaginar por quantos “sessenta” anos o referido autor deve ter mantido essa conduta criminosa nos sets de gravação, onde na prática, todos devem ser cúmplices ou correm o risco de perderem seus empregos. O fato das colegas de Susslen acharem graça quando o ator colocou a mão em sua genitália denota um pouco da conduta no ramo televisivo ou ainda do meio artístico, tida como liberal. Assim o que percebemos é que no Brasil o machismo é aprendido e defendido não apenas pelos homens, mas também pelas próprias mulheres como  primeiro um sinônimo de masculinidade e de poder para os homens e em segundo lugar como um poder feminino de sedução e beleza. Ser “cantada” representa a capacidade de despertar o desejo masculino. E este pensamento paira sobre terreno pantanoso. Por trás das risadas no dia, imagino que tenha surjido o seguinte pensamento nas colegas da moça: “Olha o que ele teve a coragem de fazer, e ainda por cima na frente de todo mundo”…

Resta para nós aplaudir a coragem da Susslem, que depois de aguentar durante meses as provocações verbais, não tolerou enfim a invasão literal do seu corpo e a violência à qual foi submetida. Fica também um recado para o meio artístico, dos atores e da TV, tido como “emancipado, livre”.  Ser livre sexualmente não é apenas querer comer todo mundo, mas também envolve a capacidade de ouvir e respeitar o NÃO alheio. O crime está previsto por lei quando se impõe o assédio usando a posição financeira, de status ou de poder sobre o outro (nesse caso ator importante x figurinista). Isso tem um nome, objetificação, no qual eu desconsidero o outro como uma pessoa com vontade própria, e a vejo apenas como um objeto que deve me servir. Algo que permeia cada vez mais a sociedade atual em geral, narcisismo + vaidade extrema. Nesse caso, a figurinista, deveria servir ao grande ator, cujo tamanho do ego ultrapassa seu próprio corpo.

A pergunta que eu gostaria de fazer ao Sr. José Mayer é a seguinte: E se o devido fato, do qual o Sr. foi protagonista durante meses, tivesse sido sofrido por sua própria filha? Como o Sr. reagiria?

Mas vamos tocar o barco adiante, que há muito a se discutir sobre o que é ser homem no Brasil e sobre o poder da vaidade sobre a mente humana. Com certeza há muito mais sujeira do que parece sob esse tapete.

Boa semana!

ILAN FERNANDO SEGRE
Psicólogo USP (CRP 06/112563)
Pós-grad.  Fitoterapia Fac. Mario Schenberg.
Autor do livro TERAPIA INTEGRATIVA
CONSULTÓRIO f: (11) 96350-7228


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