Nise da Silveira, uma psiquiatra à frente do tempo.

Publicado em 04 de dezembro de 2017.

Nesta semana estive visitando a exposição organizada pelo Itaú Cultural em homenagem à Nise da Silveira (1905-1999), a médica que lutou com todas as forças para mudar a forma como a Psiquiatria era praticada desde meados do século passado.  Por não concordar com a Terapia Eletroconvulsiva e a excessiva medicalização dos pacientes psiquiátricos, ela acabou por inaugurar uma nova forma de tratar os doentes que ainda é utilizada até os dias atuais, a cura por meio da expressão artística.

Nise nasceu em Maceió e estudou medicina na Bahia se estabelecendo no RJ. Presa como comunista, foi afastada do serviço público durante a ditadura Vargas (1936-1944). Fundou, em 1946, a Seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II. Em 1952, criou o Museu de Imagens do Inconsciente, e, em 1956, a Casa das Palmeiras, primeira clínica brasileira destinada ao tratamento psiquiátrico sem internações. Escreveu vários livros dentre os quais destacam-se Imagens do Inconsciente (1982) e O Mundo das Imagens (1992). Recebeu diversas condecorações, títulos e prêmios ao longo de sua vida, em reconhecimento à sua luta por uma Psiquiatria mais humana, baseada no afeto e e no respeito aos doentes, acima de tudo.

Separei algumas ideias da Dra. Nise, em entrevista realizada em abril de 1986:

“Atualmente os internos recebem doses altíssimas de psicotrópicos, que os adormecem dia e noite.Os médicos e as enfermeiras dão muito remédio para não terem trabalho…..E assim, os pacientes que dormem o dia inteiro, não dão trabalho nem para as enfermeiras… Mas esses doentes, quando cessam os sintomas mais agudos, têm alta e deixam os hospitais e aí começa a grande tragédia do egresso…

O que me preocupava é que o numero de reinternações era verdadeiramente alarmante.  Cerca de 70% dos pacientes voltavam a ser internados e daí comecei a pensar que algo estava errado com o tratamento psiquiátrico oferecido.

E pensei que, talvez, os paciente saíssem do hospital sem estarem prontos para o reencontro com a vida. Comecei então a pensar na possibilidade do hospital criar uma seção para preparar esses indivíduos, antes que saíssem.”

Assim nasceu a casa das Palmeiras em 1956. O espaço foi doado e o tratamento fundamental fazia-se através de atividades expressivas. Não havia médicos de jalecos, nem enfermeiras, apenas monitores ajudando os doentes nos processos criativos. As portas e janelas eram mantidas sempre abertas e o projeto não tinha fins lucrativos, e portanto, sofria diversas dificuldades financeiras e também humanas…

As questões da enorme reincidência da doença mental atormentavam a médica: “O problema é que sem ter espaço na família e na sociedade, o paciente é muitas vezes é rematriculado no ambulatório e lá, depois de ter atravessado vivências terríveis, recebe novas cartelas de psicotrópicos fortíssimos, sendo ele próprio responsabilizado por utilizá-los.

O que acontece é que esse indivíduo perambula pelas ruas e aos poucos, os efeitos dos remédios ingeridos no hospital são dissipados. Mas sem ter para onde ir…basta um deslize, um gesto para que a polícia o leve  de volta ao Hospital, recomeçando o ciclo. Realmente é para entristecer…quem consegue escapar da reinternação muitas vezes acaba caindo na mendicância ou marginalidade.

Durante 30 anos, com a Casa das Palmeiras, mostramos que é possível quebrar o ciclo dessas reinternações. Clientes que foram internados inúmeras vezes, desde que começaram a se tratar conosco não voltaram mais a serem internados.

O problema não está tanto no doente mas naqueles que são responsáveis por eles. Pela sua incompreensível indiferença…”

Além de vídeos, a mostra apresenta documentos, fotos, livros e diversos trabalhos de pacientes, incluindo pinturas, esculturas e as famosas mandalas, todos criados durante os tratamentos. No térreo ainda é possível participar de oficinas, de forma a nos colocarmos no mesmo lugar dos pacientes, quando eram convidados a se expressarem por meio da arte. Vale a pena a visita!

Salve, Nise da Silveira.

 

Ilan Fernando Segre é Psicólogo Clínico formado pela USP e pós graduado em Fitoterapia pela Fac. Mario Schenberg. Foi um dos fundadores do NUMIER – Núcleo de Medicina Integrativa do Hospital Emilio Ribas e é autor do livro Terapia Integrativa (ed. Ágora), 2012. Complementou sua formação como psicólogo residente no Gupta Yogic Hospital (Lonavala), Jipmer Hospital (Pondicherry) e no Nisargopchar Ashram (Pune), na Índia. Atualmente atende em seu consultório em São Paulo, unindo psicoterapia com técnicas respiratórias para tratamento de sintomas. Escreve regularmente no seu site www.vidaintegrada.com.br.


Comentários

Wlamir Carvalho

Em 07 de maio de 2018 às 19:00

Realmente, pessoas com a dedicação e determinação da médica Nise Silveira contribuem de maneira significativa para termos uma sociedade mais humana e compreensiva. O desprendimento das coisas materiais bem como o interesse pelo bem estar daspessoas são características fundamentais nesse processo.


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